Turmas do STJ dificultam defesa do contribuinte em execução fiscal

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tornou mais complicada a vida do contribuinte que teve pedido de compensação de tributos negado pela Receita Federal. As turmas de direito público – a 1ª e a 2ª – passaram a entender que não cabem embargos à execução fiscal para discutir a questão, impedindo na prática a apresentação de defesa nesses processos.

O tema chamou a atenção depois de uma decisão recente envolvendo a Raízen. O ministro Gurgel de Faria negou um pedido feito pela empresa para levar a questão à 1ª Seção, que reúne as duas turmas, por supostamente haver divergência de entendimentos. Ele indicou que a 1ª Turma mudou seu posicionamento, alinhando-se à 2ª.

A discussão é relevante porque a compensação tributária é amplamente utilizada pelas empresas. No ano passado, um total de R$ 167,7 bilhões em tributos foram pagos com créditos fiscais, sendo uma das justificativas para a queda na arrecadação, em comparação com a obtida no ano anterior, de acordo com dados da Receita Federal.

Agora, com o entendimento de que os embargos não podem ser usados para discutir compensação que foi negada administrativamente, resta aos contribuintes duas saídas, de acordo com tributaristas. Uma delas é a ação anulatória, que pode ser apresentada logo após a resposta da Receita Federal. A outra é a ação de repetição de indébito, no término da execução fiscal.

A Lei de Execuções Fiscais (Lei nº 6.830, de 1980) veda a discussão sobre pedidos de compensação por meio de embargos à execução fiscal (artigo 16). A interpretação dos tributaristas, porém, é a de que essa restrição só vale para casos em que o pedido não foi feito administrativamente.

O STJ julgou um repetitivo sobre o assunto em 2009. Nele, fixou que a compensação efetuada pelo contribuinte, antes do ajuizamento da ação, pode ser fundamento de defesa nos embargos à execução fiscal, para esclarecer a presunção de liquidez e certeza da Certidão de Dívida Ativa (CDA) quando à época da compensação foram atendidos os requisitos da existência de crédito tributário compensável, da configuração do indébito tributário e da existência de lei autorizando a compensação (REsp 1008343).

Porém, surgiram dúvidas com o julgado. A 2ª Turma passou a entender que os requisitos só valiam para o pedido de compensação aceito administrativamente. E a 1ª Turma decidia, até pouco tempo atrás, de forma mais ampla, aceitando discutir em embargos aqueles que foram negados.

A mudança de rumo da 1ª Turma fez com que fosse afastada a possibilidade de discutir a questão na seção de direito público. No caso, depois de ter um pedido de compensação negado administrativamente, a Raízen se manifestou em embargos à execução fiscal. Quando eles foram negados pela segunda instância, recorreu ao STJ.

No tribunal superior, depois de ter o pedido novamente negado pela 2ª Turma, tentou levar a questão adiante. Porém, Gurgel de Faria alegou no pedido que a 1ª Turma também está decidindo contra os contribuintes (EREsp 1795347).

Inicialmente, o ministro reconheceu a divergência, em decisão no dia 26 de agosto de 2020. Mas depois mudou o entendimento. O motivo foi um julgamento, em setembro, em que a 1ª Turma alterou seu posicionamento (REsp 1054229).

Na decisão, Gurgel de Faria afirma que a 1ª Turma realinhou seu entendimento e, na forma da compreensão da 2ª Turma, tem decidido que não pode ser deduzida em embargos à execução fiscal a compensação indeferida na esfera administrativa.

Donovan Mazza Lessa, advogado do Maneira Advogados, que representa a Raízen na ação, pretende recorrer. “O repetitivo de 2009 passou a ser mal interpretado pelo STJ. O precedente autorizava a discussão de compensação em embargos, mas a redação do acórdão levou a outro entendimento”, diz.

Segundo o advogado, se prevalecer o voto do relator, quando o contribuinte tiver compensação indeferida na esfera administrativa, não poderá esperar se defender em embargos à execução. Seria necessário entrar com uma nova ação e a garantia apresentada na execução seria liquidada.

“A saída para os contribuintes será ajuizar, de forma antecipada, uma ação anulatória para colocar toda a matéria para discussão pelo Judiciário”, afirma Tiago Conde, sócio do escritório Sacha Calmon Misabel Derzi Advogados. Esse entendimento, acrescenta, deve aumentar a litigiosidade e o congestionamento na Justiça.

Procurador da Fazenda Nacional, Marcelo Kosminsky afirma que o artigo 16 da Lei de Execuções Fiscais veda pedidos de compensação em embargos à execução. Mas, diz, o STJ permite, excepcionalmente, a discussão quando esse encontro de contas já foi homologado administrativamente ou de forma judicial antes da execução fiscal.

A decisão que indica a mudança de posicionamento da 1ª Turma afirma que o tema não poderá mais ser discutido no STJ, segundo o procurador. Nos casos em que o contribuinte indica um crédito para compensação e ele não é homologado, afirma, o débito confessado pode ser cobrado imediatamente.

FONTE: Valor Econômico – Por Beatriz Olivon, 13/04/2021.

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