A tributação sobre a renda oriunda de Criptoativos

No final de outubro de 2018 a Receita Federal do Brasil (RFB) colocou em consulta pública a instrução normativa (RFB nº 06/2018) que afetaria profundamente aqueles que operam no mercado de criptoativos.

Segundo a RFB, o objetivo da legislação proposta é “viabilizar a verificação da conformidade tributária, além de aumentar os insumos na luta pelo combate à lavagem de dinheiro e corrupção, produzindo, também, um aumento da percepção de risco em relação a contribuintes com intenção de evasão fiscal”.

Isto é, o governo pretende por fim à tributação de 15% sobre os ganhos. Dispõem, segundo as principais seções apresentadas pela Receita no texto, que são:

i) Exposição de motivos;

ii) “Anexo II” — Minuta do ato proposto.

i) Exposição de motivos

Assinada pelos auditores Rafael Santiago Lima, coordenador de estudos de atividades fiscais, e Paulo Cirilo Santos Mendes, coordenador-geral de programação e estudos, a exposição de motivos explica logo na abertura que a legislação pretendida visa a obrigar a prestação de informações tanto por parte das  exchanges  de criptoativos quanto das pessoas físicas e jurídicas que utilizam exchange no exterior ou que atuam no mercado paralelo (peer-to-peer, P2P).

De posse dessas informações, a Receita poderia fiscalizar se aquilo que é devido a título de imposto de renda sobre ganho de capital está sendo pago ou não. Aqui, vale um parênteses para lembrar que a regra tributária brasileira no que tange aos criptoativos diz que o contribuinte deverá pagar 15% de imposto de renda sobre ganho de capital auferido em operações que ultrapassem R$35 mil por mês.

A exposição de motivos utiliza-se de números de movimentação do mercado publicados na Internet para argumentar que o mercado brasileiro de criptoativosse tornou relevante e que, por isso, precisa ser fiscalizado.

Nota-se que  o trecho da exposição de motivos que diz que: “para 2018, a previsão é que as negociações [de criptoativos, no Brasil] atinjam um total entre R$18 bilhões e R$45 bilhões”. A RFB sustenta ter utilizado o site BitValor como fonte dessa projeção. No entanto, segundo o próprio BitValor, no ano de 2017 foram negociados em torno de R$8 bilhões e que o volume de negociações no Brasil e no mundo despencou em 2018.

Isso resulta afirmar, que indiscutivelmente, o valor tomado para 2018 está (des)parametrizado. A RFB não considerou a redução dos valores de criptoativosnegociados no ano de 2018.

A RFB chega a uma conclusão geral, e sustenta:

os criptoativos têm sido utilizados em operações de sonegação, de corrupção e de lavagem de dinheiro, não somente mundo afora, mas também no Brasil. A busca de determinados agentes pelo anonimato, que se configura como um dos principais atrativos para o uso de determinados criptoativos, deve sempre ser combatida, inclusive pela autoridade tributária, a fim de aumentar o risco da prática criminosa.”

A RFB também destaca como andam os trabalhos de regulamentações do mercado de ativos digitais em países como Austrália, Coreia do Sul, Estados Unidos e no continente europeu. Porém, não toma os pontos positivos dos respectivos países.

Nota-se que a RFB buscou exemplo no estrangeiro, mas como como dito, não se espelha nos aspectos positivos. À exemplo, no modelo australiano,  a tributação exige a tributação somente acima de 10 mil dólares. No Brasil, ao contrário, a RFB decidiu obrigar as  exchanges  nacionais a reportarem qualquer operação, independente do valor em questão.

No Anexo II, Capítulo I, mostra que a RFB optou em tributar o pequeno e o grandíssimo da mesma maneira, como de praxe, vejamos:

ii) “Anexo II” — Minuta do ato proposto

O Capítulo I (Disposições Gerais) da instrução normativa proposta explica que as informações precisarão ser declaradas no site da Receita em formato a ser definido. O conjunto de informações, contudo, precisará ser assinado digitalmente “mediante o uso de certificado digital válido, emitido por entidade credenciada pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil)”.

Nota-se que é natural a Pessoa Jurídica (exchanges), possuirem o certificado digital. Porém, a RFB trata a Pessoa Física como sendo Pessoa Jurídica, pois obriga as pessoas físicas para que operam como se fossem Exchange.

Disso resulta afirmar, que a RFB busca na tecnologia um meio de fiscalizar os investidores, sejam Pessoas Jurídicas, sejam Pessoas Fisícas, todos necessitarão informar suas movimentações com criptoativos. Posto que no Capítulo II, a RFB trata criptoativos, tudo aquilo que representa valor digital, vejamos:

No Capítulo II (Das Definições), a Receita considera como criptoativo:

a representação de valor digital, não emitida pelo Banco Central do Brasil, distinta de moeda soberana local ou estrangeira, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira”.

A escolha do termos “criptoativo” define os ativos intrínsecos aos protocolos criptográficos descentralizados, como o Bitcoin e todas as milhares de moedas digitais transacionadas nas “Exchanges”.

Mas pode se verificar uma definição um tanto genérica demais. O que pode, ao fim ao cabo, acabar incluindo as milhas das companhias aéreas, moedas sociais, moedas virtuais presentes em jogos eletrônicos etc. Resultado um tanto quanto incoerente.[1]

Outro exemplo notável, além da Austrália, podemos destacar a Cingapura, onde o criptoativoé visto com inúmeras funções, quer dizer que, caso este criptoativoseja utilizado como valor imobiliário ou meio de pagamento, a tributação difere como valor imobiliário ou meio de pagamento, a tributação difere já que o “fato gerador” de cada um pode ser diferente. Demonstrando que, ao contrário do Brasil, a Cingapura olha a tecnologia 4.0 para além da função de meio de pagamento.

No mesmo Capítulo II, a Receita define uma exchangede criptoativocomo uma “instituição, ainda que não financeira, que oferece serviços referentes a operações realizadas com criptoativos, inclusive intermediação, negociação ou custódia, e que pode aceitar quaisquer meios de pagamento, inclusive outros criptoativos”.

O Capítulo III trata da “Obrigatoriedade de Entrega”, onde define exatamente quem deve prestar informações à RFB. Discorre o texto:

“Está obrigada à entrega das informações:

I — a exchangede criptoativosdomiciliada para fins tributários no Brasil;

II — a pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no Brasil quando:

a) as operações forem realizadas em exchangesdomiciliadas no exterior; ou

b) as operações não forem realizadas em exchange.

Parágrafo único. Na hipótese prevista no inciso II do caput, as informações deverão ser prestadas sempre que o valor mensal das operações, isolado ou conjuntamente, ultrapassar R$ 10.000,00 (dez mil reais)”.

Depreende-se da interpretação do Capítulo III, que a exchangebrasileira terá que informar mensalmente toda e qualquer operações de compra e venda de criptoativosde seus clientes, independente do valor negociado.  Ainda, as operações realizadas em exchangeestrangeira ou no mercado P2P, tanto por pessoa física quanto jurídica, necessitarão ser declaradas à RFB quando ultrapassarem o valor de R$10 mil ao mês. O que não será difícil de ocorrer, uma vez que as exchanges estrangeiras exigem valores mínimos de aportes.

Disso resulta afirmar que a RFB, ao invés de estar impondo um método de arrecadação coerente e adequado para, além de formalizar, incentivar o setor de criptoativos, na verdade esta construindo um sistema de arrecadação sem base sólida. Quero dizer, um sistema ineficiente, pois demonstra que a RFB nada sabe, e tentar impor um sistema geral sem distinguir, ao menos, as funções típicas das exchangescriptoativos.

Nota-se que o próprio texto é impreciso, justamente pelo pouco saber da RFB com relação ao tema. Vejamos, no Capítulo IV que dispõem sobre o “Prazo de Apresentação das Informações”, a RFB deixa obscuro qual é o período que dever ser realizada a primeira declaração. Pergunto: como o contribuinte irá prestar uma informação, se a própria RFB não sabe o que pretende receber, vejamos: “o primeiro conjunto de informações a ser entregue será referente às operações realizadas em XX de XX”.

Com relação específica deste Capítulo IV, destaca-se que enquanto não vigorar a lei que aborda o regime de tributação da movimentação de criptoativos, o princípio da irretroatividade da lei tributária (regra geral) determina que o fato gerador não pode se estender a fatos ou circunstâncias ocorridas anteriormente ao início de sua entrada em vigor

Além disso, a Constituição Federal estabelece como norma geral que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (inciso XXXVI, art. 5o.), estabelecendo que em matéria penal a lei não retroagirá, salvo para beneficiar o réu (inciso XL, art. 5o).

O que não faz frente às hipóteses do Código Tributário Nacional, preconizadas no artigo 106, Inciso II, que estipula os três casos de retroatividade da lei mais benigna aos contribuintes e responsáveis, tratando-se de ato não definitivamente julgado.

O Capítulo V (Das Informações De Compra E Venda de Criptoativo) descreva quais são as informações que as pessoas jurídicas e pessoas físicas precisarão informar à RFB sobre cada operação. No capítulo referido, também existe determinação para que as exchangesinformem anualmente sobre o saldo mantido em seus sistemas tanto em criptoativosquanto em reais.

Sendo as principais informações que a RFB exigirá, transcritas à seguir:

a) a data da operação;
b) o tipo de operação, conforme Anexo Único (ver abaixo);
c) os titulares da operação;
d) os criptoativos usados na operação;
e) a quantidade de criptoativos negociados, em unidades;
f) o valor da operação, em reais, excluídas as taxas de serviço cobradas para a execução da operação;
g) o valor das taxas de serviços cobradas para a execução da operação, em reais, quando houver;

Anexo Único:

Tipos de Operações realizadas com criptoativos:

I — compra e venda;
II — permuta;
III — doação;
IV — transferência de criptoativo para a exchange;
V — retirada de criptoativo da exchange;
VI — cessão temporária (aluguel);
VII — dação em pagamento; e
VIII — outras operações.

O Capítulo VI trata das “Penalidades”, nele a RFB lista quais são as penalidades e multas para quem deixar de prestar as informações ou que prestá-las fora dos prazos fixados ou que omitir informações ou prestar informações inexatas, incompletas ou incorretas. Ficando os contribuintes, resumidamente, sujeitos à tais multas no caso de eventual recusa de informações ao fisco:

a)   R$ 500,00 por mês ou fração de mês no caso de microempresas;

b)   R$ 1.500,00 por mês ou fração de mês no caso de pessoa jurídica;

c)    R$ 100,00 por mês ou fração de mês no caso de pessoa física.

No Capítulo VII, está a hipótese de Retificação das Informações, onde descreve-se a possibilidade de retificar erros, inexatidões ou omissões.

E, por fim, o Capítulo VIII traz as disposições finais, com  informações relativas à operacionalização do sistema e manual de orientação do sistema, além de falar que as regras contidas na instrução normativa entrariam em vigor a partir de 1º outubro de 2018.

CONCLUSÃO

Disso tudo, resulta afirmar que, tudo indica que a RFB está iniciando um esboço para que a crítica técnica imponha suas observações pertinentes e necessária, para que elucide à RFB quais são os papéis que um criptoativopode adotar. E, até a data desta publicação, a tributação sobre o rendimento das aplicações em Criptoativos, deve ser realizada da seguinte forma:

 

Os ganhos de renda nas operações de criptoativos, cujo total no mês seja superior a R$35 mil, são tributados a título de ganho de capital, à alíquota inicial de 15% até 22,5%, na seguinte escala:

 

Até R$ 35.000,00 – ISENTO somente para pessoa física
De R$ 35.000,01 até R$ 5.000.000,00 – 15% sobre o lucro obtido
De R$ 5.000.000,01 até R$ 10.000.000,00 – 17,5% sobre o lucro obtido

De R$ 10.000.000,01 até R$ 30.000.000,00 – 20% sobre o lucro obtido

De R$ 30.000.000,01 em diante – 22,5% sobre o lucro obtido

 

 

O recolhimento do imposto sobre a renda deve ser feito até o último dia útil do mês seguinte ao da transação utilizando o Programa de Apuração dos Ganhos de Capital[2],  As operações deverão estar comprovadas com documentação hábil e idônea.

Exemplo: venda de moedas com lucro em janeiro/2019 deve ter sua guia de recolhimento (DARF) paga até o final de fevereiro/2019.

Ainda cabe destacar, muitas vezes, as negociações com criptoativosenvolve somente a permuta de determinado criptoativopor outro distinto, ocorrendo uma mera “troca”. Neste caso, não há geração de renda, existe apenas a realização de um investimento, isto é, a mera substituição de ativos. Porém, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, em precedentes sobre o tema, já se manifestou no sentido de que qualquer permuta de bens seria plenamente tributável.

Novas publicações, nos próximos meses trarão as novidades da tributação que tange os criptoativos.

 

Por Vinicius Ferrasso da Silva

Advogado Tributarista

www.ferraso.com.br

 

 



[1]- Criptoativo é apenas aquilo que possa ser comparado a um ativo financeiro (ou intangível) e que de alguma forma dependa das tecnologias criptográficas para sua emissão, registro, transferência e autoridade para tais atos, isso inclui as criptomoedas, tokens e similares, sejam baseados em blockchain ou não.

[2]- http://receita.economia.gov.br/orientacao/tributaria/pagamentos-e-parcelamentos/pagamento-do-imposto-de-renda-de-pessoa-fisica/ganho-de-capital/programa-de-apuracao-de-ganhos-de-capital-moeda-nacional/2017/programa-de-apuracao-dos-ganhos-de-capital-gcap2017

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