Carf aceita venda de ações por meio de fundo de investimento

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) decidiu em favor de um contribuinte que vendeu as ações que detinha em uma empresa por meio de um Fundo de Investimento em Participações (FIP) – o que, na prática, teria garantido o pagamento de menos impostos. O caso envolve o presidente do Conselho de Administração da Rede D’Or, Jorge Moll Filho, e a venda do Labs D’Or para o Grupo Fleury, no ano de 2011, por cerca de R$ 1 bilhão.

Entendimento favorável a esse tipo de operação é importante para os contribuintes porque a Receita Federal tem um posicionamento bastante restritivo em relação ao uso desses fundos. Costuma autuar por entender a operação como um planejamento tributário “abusivo” ou “agressivo”, que tem como único objetivo reduzir carga fiscal. Tanto que geralmente aplica, a esses casos, a multa por dolo ou fraude, que é de 150% sobre o valor da autuação.

O caso envolvendo o presidente da Rede D’Or é o primeiro, segundo advogados, com decisão favorável entre as turmas da 2ª Seção, que julgam os processos envolvendo pessoas físicas. Até então, havia entendimento pró-contribuinte somente na 1ª Seção, que analisa os casos de empresas.

Jorge Moll Filho foi autuado porque, segundo a fiscalização, teria, antes da venda, transferido parte das ações que detinha no Labs D’Or para o Delta Fundo de Investimento em Participações. A partir dessa operação, o fundo é quem teria passado a responder pela empresa (juntamente com outros acionistas) e pela consequente venda para o Grupo Fleury.

Se as ações tivessem sido vendidas diretamente, deveriam ser recolhidos entre 15% e 22,5% de Imposto de Renda (IRPF) sobre o ganho de capital já no momento em que o negócio foi fechado. Por meio de FIP é diferente: aplica-se alíquota fixa de 15% e somente no momento em que o dinheiro é resgatado do fundo.

A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) argumentou no Carf que essa operação foi estruturada com o objetivo de reduzir os valores de impostos. Sustentou que a criação do FIP teve um “propósito artificial” e que a vida do fundo foi extremamente curta.

Já a representante do contribuinte no caso, a advogada Mariana Jatahy, sócia do escritório Ulhôa Canto, afirmou, em sustentação oral, que não houve transferência de ações, pelo contribuinte, da empresa para o FIP. A participação no Labs D’Or teria, na verdade, sido adquirida pelo Delta Fundo de Investimento em Participações, que tinha recursos aportados por Jorge Moll Filho e um outro cotista.

Por meio de nota, a Rede D’Or informou ainda que a interferência do FIP na operação se fez necessária porque a negociação com o Grupo Fleury demandava a concentração, no Labs, de ativos que não pertenciam a Jorge Moll Filho e sim a terceiros. Esses ativos equivaliam a 50% do negócio.

“Tais investimentos foram realizados diretamente pelo FIP, o que fez com que passasse a ter participação relevante no capital do Labs”, diz na nota. Por esse motivo, acrescenta, a alegação de que o fundo teria sido utilizado para planejamento fiscal abusivo não se sustentava.

A decisão da 2ª Turma da 2ª Câmara da 2ª Seção, onde tramitou o caso, foi unânime. Os conselheiros entenderam que existiu um propósito negocial para a forma como a operação foi estruturada e cancelaram a cobrança que havia sido imposta pela Receita (são dois processos julgados de forma conjunta, nº 12448.725823/2016-47 e nº 12448.727473/2016-53).

Advogados consideram a decisão importante por deixar claro que o uso de FIP, por si só, não pode ser considerado fraude – como costuma entender a Receita. “Mostra que um FIP pode ser aceito se existir um motivo não tributário dentro desse contexto”, diz Eduardo Arrieiro, do Arrieiro & Dilly Advogados. O especialista contextualiza, no entanto, que esse é um tema recente no Carf e que a decisão, segundo tem acompanhado, “ainda varia muito conforme o caso”.

Conselheiros da 2ª Turma da 4ª Câmara da 2ª Seção, por exemplo, em julgamento recente, posicionaram-se contra o contribuinte. O caso envolve o empresário cearense Mário Araripe, fundador da Casa dos Ventos, e a venda de empresas gerenciadoras de parques de energia eólica para a CPFL Energia. Parte das ações que ele detinha foi vendida por meio de um FIP.

A discussão foi definida pelo voto de qualidade (do presidente da turma, representante da Fazenda). A turma, por outro lado, apesar de manter a cobrança de Imposto de Renda, cancelou a multa de 150% aplicada, por entender que não houve dolo ou fraude. A cobrança, que inicialmente era de R$ 30 milhões foi reduzida, para aproximadamente R$ 17 milhões (processo nº 16561.720071/2016-82).

Para Tiago Conde, do escritório Sacha Calmon, os dois casos – envolvendo Mário Araripe e Jorge Moll Filho – são muito parecidos. No caso de Araripe, afirma, os conselheiros entenderam que não houve fraude e consideraram inclusive que o contribuinte obedeceu a Instrução CVM nº 391/2003, que trata do FIP, e também a Lei nº 11.312, de 2006.

O que pesou para a condenação, segundo ele, teria sido o fato de, em uma comparação com a venda direta, ter havido uma economia de tributos. “Essa é uma decisão equivocada do Carf, na minha opinião. Qual é o problema em economizar tributos quando a lei permite? Não estamos falando em ausência de tributação”, diz Conde.

Luís Alexandre Barbosa, do LBMF Sociedade de Advogados, pondera que há uma grande insegurança jurídica em relação ao tema. “O que temos hoje, em relação ao que pode ser aceito, é muito subjetivo”, afirma. “Precisamos entender melhor quais são os critérios. O que separa um FIP bom, que será aceito ainda que indiretamente proporcione benefício tributário, de um FIP que não será aceito?” A resposta, ele acredita, virá da Câmara Superior do Carf.

Há uma tentativa do governo, no entanto, em mudar a tributação desses fundos. No fim do ano passado foi editada a Medida Provisória (MP) nº 806 para equiparar a tributação de fundo a de uma empresa: seriam aplicados 34% de IRPJ e CSLL sobre ganho de capital e os valores teriam que ser recolhidos no momento da alienação – e não no momento em que o dinheiro é retirado pelo acionista. A MP, porém, não foi convertida em lei e perdeu a validade em abril.

A PGFN foi procurada pelo Valor para comentar o caso envolvendo Jorge Moll Filho e informou que irá aguardar a formalização dos acórdãos para analisar o cabimento de recurso. Enfatizou, por outro lado, a decisão favorável ao seu posicionamento, no caso de Mário Araripe.

O caso, porém, será levado à Câmara Superior, segundo o empresário. Em nota, destacou que a sua defesa “foi corroborada pelo relator e outros julgados do Carf que entendem que o fato de o contribuinte utilizar um meio legal mais eficiente do ponto de vista tributário configura propósito negocial, não sendo ilícito utilizar planejamento tributário”.

Por Joice Bacelo | De São Paulo

Fonte : Valor – 15/10/2018

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