Reflexão: Da cegueira a dois

Dizem que o amor cega, entorpece, ludibria.
Penso o contrário.
O amor na verdade abre os olhos e clareia as ideias.

Quando não amamos, somos nômades. Buscamos lenitivo em muitos braços, entorpecimento em muitas bocas, prazeres em muitas camas. Somos incompletos e inconstantes. Somos vazios sem ao menos sabermos o que nos falta.

Somos cegos que fingem enxergar.

Mas em um lampejo, passamos a amar alguém. De mil formas diferentes isso acontece, mas sempre pelo mesmo motivo. Amar nos traz paz.

Podemos deixar de ser nômades e nos sedentarizar. O vazio se dissipa. O entorpecimento se esvai. E isso nós dá mais prazer que todas as camas pelas quais já passamos.

Aos nossos olhos surge um mundo novo, que sempre esteve lá, mas que nunca tivemos como percebê-lo. Aos cegos afinal, não é dado enxergar a realidade, mas só a projeção do que gostariam que esta realidade fosse.

E todas as certezas se instalam. Somos inundados por algo que sempre nos fez falta, sem que tivéssemos percebido, e agora não concebemos mais viver sem.

As bocas de antes se tornaram falsas. As camas de outrora, agora parecem sujas. A paz reina e podemos enxergar.

Mas como quase tudo nesta vida, a paz têm o seu preço.

Passado o deslumbramento inicial, passamos a refletir sobre a pessoa que amamos. Sabemos o motivo por que passamos a amar. Buscamos agora os motivos para continuar amando.

De cegos, passamos a observadores e observados.

E o que mais me impressiona é que vamos começar a achar motivos para não continuar amando. Vamos fazer projeções realistas e focadas que nos indicarão que talvez não tenhamos feito à escolha certa. Vamos até mesmo nos questionar se a cegueira do entorpecimento afetivo não seria preferível à lucidez do amor hora vivido.

Afinal, são muitos defeitos… diferenças… cobranças… tolhimentos. Para que afinal no serve enxergar tudo isso?

E talvez tenhamos uma saudade sincera de quando não enxergávamos.

É neste momento que a paz cobra efetivamente o seu preço. E este preço é uma difícil escolha.

A primeira opção consiste em desistir deste amor. Afinal, outros virão. Estaremos mais maduros, experientes… céticos. O que deixarmos para trás será como uma tatuagem impregnada na alma, que não mais avivaremos e, ocultaremos quem sabe, com uma nova, feita exatamente no local onde a primeira estava.

A segunda opção é mais difícil. Precisaremos renunciar a esta maravilhosa dádiva da visão e do discernimento. Renunciar à análise precisa da realidade e estarmos dispostos a resgatar voluntariamente a cegueira.

E esta escolha só pode ser feita em conjunto com a pessoa amada. Pois quem um dia enxergou só consegue retomar a cegueira a dois.

E quando um cego está disposto a guiar o outro, por um desses desígnios que não consigo explicar, eles acabam encontrando um caminho.

Não o mais seguro, acertado e preciso. Mas o possível para eles.

E parece que é aí que a paz se mostra em toda sua plenitude. Quando conseguimos perceber que nem sempre o perfeito é o que devemos almejar. Pois o imperfeito, quando compartilhado, faz um bem danado.

Que todos possam ser cegos… a dois.

Fonte e autoria: Prof. Geovane Moraes (CERS)
Um cheiro para quem for de cheiro e um abraço para quem for de abraço.

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *

*

Você pode usar estas tags e atributos de HTML: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <strike> <strong>