Corte no orçamento dificulta volta presencial do Carf

Não é só a mobilização dos auditores fiscais que põe em risco a volta dos julgamentos presenciais no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Os cortes orçamentários impostos ao tribunal também seriam um obstáculo ao retorno, segundo fontes. O JOTA apurou que, entre 2021 e 2022, o orçamento do Carf encolheu 52%, de R$ 22,5 milhões para R$ 11 milhões.

As informações são do Ministério da Economia e do Painel do Orçamento Federal. O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) 2021, enviado pelo Executivo ao Congresso, previa um orçamento de R$ 22,5 milhões para o Carf, valor que foi mantido pelos parlamentares. Já em 2022, o Executivo previu um orçamento de R$ 22,7 milhões para o Carf. O valor aprovado no Congresso, no entanto, foi de R$ 11 milhões, menos da metade do que constava na proposta.

Os dados mostram ainda que o orçamento do Carf diminuiu ao longo de 2021 em relação ao aprovado pelo Congresso, de R$ 22,5 milhões para R$ 16,2 milhões – 28%. Uma diminuição ou ampliação do orçamento aprovado pelos parlamentares para 2022 também pode ocorrer este ano, de acordo com o analista do Senado Leonardo Ribeiro, especialista em orçamento público.

Ribeiro explica que os R$ 11 milhões representam a dotação inicial do Carf para 2022. Ao longo deste ano, o tribunal pode receber mais recursos por meio de créditos adicionais ou perdê-los em remanejamentos para outros órgãos. O dado que indica o que os órgãos de fato têm disponível para gastar é a dotação atual, que é o valor resultante após créditos ou eventuais remanejamentos orçamentários.

“A dotação atual [após a abertura de créditos ou remanejamentos] pode ser maior ou menor do que a inicial. Nesse caso [de 2021], o Carf perdeu dotação em algum remanejamento de recurso para outros órgãos”, observa.

As dificuldades orçamentárias do Carf vêm sendo relatadas ao JOTA por conselheiros há algum tempo. A redução do orçamento é indicada como uma das razões pelas quais o tribunal ainda não retomou as sessões presenciais em 2022. A outra razão, segundo os conselheiros, é a mobilização dos auditores fiscais da Receita pela regulamentação do bônus de eficiência.

A adesão de conselheiros fazendários do Carf ao movimento foi significativa. De fevereiro a abril, a 1ª e a 3ª Turmas da Câmara Superior foram as únicas em funcionamento no tribunal. Em maio, o Carf anunciou a suspensão também das atividades da 3ª Turma da Câmara Superior.

Recentemente, a Portaria 3.364/2022 retirou o limite de R$ 36 milhões para sessões virtuais, tornando possível o julgamento remoto de casos envolvendo somas elevadas, que estavam parados desde o início da pandemia. A norma, no entanto, previu a possibilidade de a Fazenda e os contribuintes pedirem a retirada de pauta de casos para julgamento presencial. No momento, a previsão é de que o modelo virtual se mantenha pelo menos até julho.

Redução de gastos

Em nota sobre o fim da restrição de valor, a presidente do Carf, Adriana Gomes Rêgo, citou a redução de despesas que a decisão permitiria. “As mudanças aproveitam a experiência do período da pandemia do Covid-19, e estão em sintonia com o princípio da economicidade, dada a redução significativa dos gastos públicos com diárias e passagens, necessários quando do deslocamento de conselheiros para as sessões presenciais”, diz o texto.

Ao JOTA, uma conselheira disse que Adriana Rêgo avalia que o tribunal não tem orçamento para o retorno presencial. Já um conselheiro afirmou que as sessões presenciais em agosto não estão asseguradas, pois dependem da confirmação de recursos orçamentários e financeiros pelo Ministério da Economia. O julgador afirmou que houve poucos pedidos de retirada de pauta para julgamento presencial em maio, mês em que passou a valer a queda do limite de R$ 36 milhões para os julgamentos virtuais, o que indicaria um cenário favorável para manter as sessões remotas.

“A Fazenda pediu [a retirada] de vários processos sobre ágio, creio que porque abriram prazo para transação sobre a matéria. E, em relação aos contribuintes, a maioria esmagadora se tratava de teses em que, com a composição atual, os contribuintes não têm conseguido êxito, ou seja, estão ‘empurrando com a barriga’ para ver se, até as sessões presenciais, há alguma alteração de composição ou de entendimento por parte de algum conselheiro”, comentou.

Outro conselheiro afirmou que a queda no orçamento em 2022 comprometeu a convocação de suplentes para as turmas. “Gerou impacto, sim, especialmente para a convocação dos suplentes na Câmara Superior e nas turmas ordinárias, pois havia escassez orçamentária para a compra de passagens aéreas”.

Na avaliação dele, a decisão de retirar o limite de R$ 36 milhões para julgamentos virtuais tem relação com o contexto orçamentário e a incerteza causada pela mobilização dos auditores. “Foi uma escolha racional. Mantiveram o [modelo] virtual pois o cancelamento [dos julgamentos] acontece às vésperas da sessão. Não tem como ser diferente, pois não se sabe até onde vai a greve”, diz. O julgador afirmou ainda que o Ministério da Economia passou a ver as sessões remotas com bons olhos, pelo fato de contribuírem para a redução de gastos.

Um representante da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) também avalia que o retorno presencial do Carf em agosto não é certo. “A previsão seria agosto, mas tudo depende do orçamento. Não tem como dar certeza. Mesmo com o eventual retorno [dos conselheiros fazendários, com o fim da paralisação], existe a questão orçamentária”, disse.

Movimento paredista

Ao JOTA, o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco), Isac Falcão, afirmou que não há previsão de suspensão do movimento com a aproximação do mês de julho, quando passa a valer a restrição da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) devido ao ano eleitoral. A legislação proíbe o aumento de despesas com pessoal nos 180 dias que antecedem o final do mandato de chefe de Poder ou órgão.

Segundo Falcão, além da regulamentação do bônus de eficiência, os auditores reivindicam a realização de concurso público e recomposição do orçamento da Receita Federal, que, segundo ele, sofreu um corte da ordem de 51%. O presidente do Sindifisco alega que, sem os recursos reivindicados, não há condições para a retomada das atividades dos auditores fiscais. “Se não se resolverem as questões que a gente está levantando na pauta, a Receita não tem condições de funcionar no segundo semestre”, afirma o sindicalista, que diz que o mesmo se aplica ao Carf.

A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa do Ministério da Economia pedindo uma manifestação do Carf sobre a redução do orçamento e a realização de uma entrevista com a presidente do tribunal, Adriana Gomes Rêgo. No entanto, não houve resposta.

Ressalvas

Advogados que atuam no Carf enxergam o modelo virtual com ressalvas e, apesar da possibilidade de retirada de processos da pauta para julgamento presencial, temem que as restrições orçamentárias e a continuidade da mobilização dos auditores comprometam o retorno. É o caso da advogada Mirian Lavocat, do Lavocat Advogados, ex-conselheira do Carf.

Na avaliação dela, a possibilidade de processos acima de R$ 36 milhões serem julgados virtualmente foi uma sinalização “ruim” do tribunal.  “O grande custo do Carf é com o deslocamento dos conselheiros e com as diárias, pois 95% das pessoas são de fora. Com isso, talvez estejam vislumbrando a possibilidade de manter essas sessões não presenciais. Eu, pessoalmente, não gosto desse modelo. A sinalização de processos de grande complexidade, envolvendo valores vultosos, serem virtuais é muito ruim para o contribuinte”, acredita.

Para Lavocat, a possibilidade de o contribuinte e a PGFN pedirem a retirada de casos da pauta para julgamento presencial é um “alento”, mas não resolve o problema. “Eu acho que pelo menos facilita. De certa forma, é um alento, mas não resolve a situação. Você pode, sim, ter uma elasticidade [entre virtual e presencial]. Mas tem um fator negativo, que você pede a retirada de pauta, mas não tem perspectiva de quando [o processo] vai ser julgado”, diz.

A tributarista aponta que outros tribunais, como o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) já retomaram as atividades presenciais. “Se você olhar para o Supremo, o STJ, todos já voltaram [às sessões presenciais]. Eu vejo até o Cade [que também é um tribunal administrativo] retornando. Acho que esse modelo [virtual] não pode ser mantido para o resto da vida. O Carf é um tribunal físico. Se ficar para sempre nesse modelo, vai acabar se tornando um tribunal virtual. Eu acho que está no momento de voltar a fortalecer o Carf”, defende.

A advogada afirma, ainda, que a questão da mobilização dos auditores, que está paralisando a maioria das turmas, precisa ser solucionada “urgentemente”. “Isso precisa ser resolvido urgentemente. A gente não pode esquecer que muitas sessões não estão acontecendo e isso é muito ruim. Além de ter um represamento dos processos, a alta da Selic [taxa básica de juros] impacta na correção dos créditos tributários. O Carf é um tribunal de importância tremenda, referência no Brasil. Não pode se apequenar com sessões exclusivamente virtuais”, acredita.

Judicialização

Para o tributarista Thiago Pereira Braga de Morais, do Mannrich e Vasconcelos, a redução orçamentária contribuiu para a decisão do Carf de retirar o limite de valor para julgamentos online. “Houve declarações da presidente do Carf falando que seria uma medida importante para a redução de custos. Há um custo para que os conselheiros retornem a Brasília. Nossa preocupação é com a propensão [do tribunal] de julgar a maioria das matérias online”, diz.

Caso a falta de perspectiva de retorno presencial se prolongue, o advogado vê a possibilidade de ampliação de uma judicialização que já vem ocorrendo no Carf, com processos julgados por força de decisões judiciais.

“Temos visto decisões judiciais para que o Carf julgue. Vamos supor que a Fazenda entenda que um caso não deve ser julgado virtualmente, mas o contribuinte entenda que pode. O contribuinte poderia judicializar. Outra questão é demorar a julgar. Com essa demora, os efeitos da autuação fiscal podem remanescer no tempo, o que é ruim para o contribuinte”, afirma.

O tributarista Caio Malpighi, também do Mannrich e Vasconcelos, afirma que a demora para a realização de julgamentos, no caso, por exemplo, dos pedidos de retirada de pauta para aguardar o agendamento de sessões presenciais, fere o princípio da duração razoável do processo.

“O julgamento no Carf é a efetivação de um direito constitucional de se defender de uma acusação fiscal, que, no fim, vai culminar em uma cobrança a título de impostos, multas e até acusações de ilícitos. O julgamento no Caf é o exercício do contraditório e da ampla defesa e do devido processo legal no estado de direito e isso pressupõe um tempo razoável de duração do processo”, observa.

O tributarista pontua que a judicialização é negativa do ponto de vista institucional. “Apesar de o Poder Judiciário estar certo, pois ele tem que determinar que seja cumprida a Constituição Federal, não é uma situação institucionalmente saudável ter que julgar processos em razão de uma ordem coercitiva”, diz.

Fonte: jota.com.br

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