O Refis veio para ficar

Sempre que surge um novo Refis ou PPI vêm as ladainhas das autoridades fiscais e de algumas entidades delas representativas criticando essas medidas, sob os argumentos da imoralidade e concorrência desleal, dentre outros.

Mas a verdade é que há razões suficientemente válidas que justificam a reincidência sistemática desses parcelamentos, que são colocadas debaixo do tapete pelas autoridades incumbidas de tomar as decisões para evitá-las.

Comecemos pela alta carga fiscal deste país, seja macroeconômica, quando se analisa o percentual sobre o PIB, seja microeconômica, pela sobrevivência do empresário.

Quando juros extorsivos em momentos de crise obrigam a renegociar ou atrasar outros passivos, o primeiro dessa fila é o tributo

Como falar em seriedade fiscal se numa mesma semana foram publicadas duas notícias que nos envergonham ou surpreendem: a União pediu ao TCU para aprovar uma capitalização de R$ 10 bilhões para a Caixa Econômica Federal (CEF), para cobrir as perdas acumuladas, fruto do uso político dessa instituição (das 12 vice-presidências, oito são indicadas pelos partidos aliados do governo de plantão).

E a Petrobras revela em notas explicativas de suas demonstrações financeiras ter disputas tributárias de R$ 144 bilhões!

Os poderes públicos não fazem sua lição de casa em conter gastos e investir com qualidade, demoram ou obstam as privatizações e parcerias necessárias, alguns Estados estão quebrados e atrasam salários e aposentadorias exorbitantes.

Alguns fundos de pensão estatais investiram tão mal que hoje seus beneficiários não conseguem receber seus complementos de pensões e aposentadorias, embora também tenham contribuído para esses fundos.

E se as empregadoras ajudarem a cobrir esse déficit o Fisco não aceita a dedução dessas despesas. Irônico, se não fosse trágico!

Como isso repercute no empresário?

O governo não tem credibilidade para cobrar tantos tributos enquanto não oferece uma contrapartida desse custo, empresas e pessoas físicas têm que arcar com gastos adicionais de segurança, educação, saúde etc.

O prefeito de São Paulo (SP) passa o chapéu pelas empresas para ajudarem a suprir serviços públicos.

Quando juros extorsivos em momentos de crise obrigam a renegociar ou atrasar outros passivos, o primeiro dessa fila é o tributo.

Aqui cabe parafrasear o mote futebolístico: “O empresário finge que paga o tributo que insere nas declarações fiscais, e o governo finge que recebe, ao incluir o orçamento a expectativa do pagamento”.

Acresça-se a complexidade das leis tributárias brasileiras: nossa maior empresa contesta tudo que é controvertido, R$ 144 bilhões são considerados riscos remotos ou possíveis, sem provisões.

E assim o fazem as demais empresas cujos valores envolvidos são expressivos, porque o dirigente deve envidar esforços para melhorar a lucratividade, por meio de planejamentos, até ousados, ou obtenção de vantagens fiscais decorrentes de leis malfeitas ou interpretações fiscalistas das autoridades.

Chegamos ao ponto de considerarmos os tribunais administrativos tributários “de passagem”, tal a tendência conservadora xiita de seus julgados, em grande maioria contrários aos contribuintes, não raro por uma excrescência chamada “voto de qualidade”.

Isso faz com que o empresário judicialize as controvérsias e em seu favor militam o baixo custo da discussão (seguro-fiança, penhora de bens) e o longo tempo de percurso do processo no Judiciário.

Como um país pode progredir quando o Fisco cobra tributo sobre tributo (PIS/Cofins sobre ICMS e ISS)?

Todas as teses reveladas pela imprensa, sobre as disputas da nossa maior empresa, são relevantes e altamente defensáveis. Como deixar de contestar, mesmo tendo o governo como maior acionista? Se ela se opõe a inúmeras questões controvertidas, sendo estatal, porque o empresário privado não deve fazer o mesmo?

Veja-se que suas pendências fiscais nem mesmo incluem algumas teses “coroadas”, que representam outros bilhões não pagos e ainda pendentes de solução judicial, que figuram sistematicamente nas manchetes e nos balanços: ágio interno, incorporação de ações, ICMS/ST, guerra fiscal, estruturas de planejamento tributário, e outras.

Portanto, a alta carga fiscal de produtos, renda e salários, aliada aos altos juros e o fiscalismo exagerado das autoridades deságuam naturalmente na inadimplência legal.

Não se surpreendam porque a cada biênio, em média, os entes tributantes convidam ao Refis generoso, por necessitarem de fazer caixa e tentarem induzir os inadimplentes a desistirem de contenciosos de sucesso duvidoso ou pagarem passivos, declarados ou não, em condições mais vantajosas.

Imagine-se que há casos como o do Estado de São Paulo, que até outro dia cobrou juros de tributos iguais aos dos bancos, muito superiores à Selic, sendo contido apenas quando o Supremo Tribunal Federal (STF) o “enquadrou”, e mesmo assim não quer abrir mão do período anterior.

Por último, o longo histórico desses parcelamentos poderia ajudar a tomar medidas preventivas. Exemplos: quais segmentos econômicos reincidiram no Refis/PPI com mais frequência em tributos atrasados? Há alguma distorção da carga tributária nesses setores, a ser redimensionada? E quais teses foram ou não incluídas nas desistências “refisadas”? Algo sempre pode ser aprendido para futuras elaborações ou interpretações das leis.

Os governos e as autoridades fiscais têm que entender, de uma vez por todas, que a partir do governo Sarney ninguém vai abaixar a cabeça para tributos extorsivos ou interpretações fiscalistas. Todo mundo vai discutir tudo, levando fatalmente a existir futuros, uniformes e consistentes parcelamentos tributários generosos.

Fonte : Valor – 10-11-2017

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