A incorporação de ações e o ganho de capital e outras questões tributárias

Um contribuinte foi autuado em Imposto sobre a Renda porque teria omitido um ganho de capital obtido em uma alienação de participação societária. A particularidade do caso está no fato de a operação societária que gerou a autuação ter sido uma incorporação de ações, o que tem gerado a discussão se realmente é uma alienação para fins de apuração de ganho de capital.

Um processo administrativo com esse objeto chegou à Câmara Superior de Recursos Fiscais do  Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), tendo a Fazenda Nacional recorrido sob o fundamento de que o caso era de alienação em sentido amplo, em que pese não ter havido dinheiro como pagamento, mas o recebimento de outras ações; sem caracterizar-se uma permuta de ações, ante a desproporção dos valores dos ativos dados e recebidos, o que fez surgir o ganho de capital.

Apreciando a questão, a CSRF, expressamente mudando a jurisprudência assentada em anterior precedente (Acórdão 9202-00.662), afastou a autuação fixando que o caso não é de alienação, mas de substituição de ativos, o que não traduz uma renda tributável; assim ementado e fundamentado:

Acórdão 9202-003.579 (publicado em 01.06.2015)
IRPF – OPERAÇÃO DE INCORPORAÇÃO DE AÇÕES – INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO DE GANHO DE CAPITAL.

A figura da incorporação de ações, prevista no artigo 252 da Lei n° 6.404/76, difere da incorporação de sociedades e da subscrição de capital em bens. Com a incorporação de ações, ocorre a transmissão da totalidade das ações (e não do patrimônio) e a incorporada passa a ser subsidiária integral da incorporadora, sem ser extinta, ou seja, permanecendo com direitos e obrigações. Neste caso, se dá a substituição no patrimônio do sócio, por idêntico valor, das ações da empresa incorporada pelas ações da empresa incorporadora, sem sua participação, pois quem delibera são as pessoas jurídicas envolvidas na operação.

Os sócios, pessoas físicas, independentemente de terem ou não aprovado a operação na assembleia de acionistas que a aprovou, devem, apenas, promover tal alteração em suas declarações de ajuste anual.

Ademais, nos termos do artigo 38, § único, do RIR/99, a tributação do imposto sobre a renda para as pessoas físicas está sujeita ao regime de caixa, sendo que, no caso, o contribuinte não recebeu nenhum numerário em razão da operação autuada.

Não se aplicam à incorporação de ações o artigo 3°, § 3°, da Lei n° 7.713/88, nem tampouco o artigo 23 da Lei n° 9.249/95. Inexistência de fundamento legal que autorize a exigência de imposto de renda pessoa física por ganho de capital na incorporação de ações em apreço.

Recurso especial negado.

Voto Vencido (…)

Destarte, verifica-se que o negócio jurídico tipificado no art. 252 da Lei nº 6.404, de 1976, embora seja denominado “incorporação de ações”, trata-se, na sua essência, de uma modalidade de alienação, materializada pela transferência de ações, dos sócios daquela que passará a ser subsidiária integral, para a empresa incorporadora, a título de subscrição de capital não com dinheiro, mas sim com bens. Em contrapartida a incorporadora, ao invés de numerário, paga o respectivo preço também em ações.

Assim, ocorrendo alienação, a qualquer título, independentemente da denominação que seja atribuída à operação, é cabível a incidência do Imposto de Renda, no caso de eventual ganho, conforme os dispositivos legais já colacionados, constantes da Lei Complementar e da Lei nº 7.713, de 1988.

Voto Vencedor (…)

De nossa parte, afirmo sem qualquer receio que a incorporação de ações não se equipara à alienação de bens. Alienar tem como acepção de base a transferência de algo a outrem. O Código Civil de 2002, trata a alienação como forma de perda da propriedade, consoante o artigo 1.275, I, e se concretiza quando há um negócio jurídico bilateral, pelo qual o alienante transfere, a título gratuito ou oneroso, determinado bem ou direito ao alienatário.

Na incorporação de ações ocorre troca, permuta ou, como enuncia a Lei das Sociedades Anônimas, substituição de ações. Esta transação, frise-se, não se dá entre os acionistas da incorporada e a sociedade incorporadora, mas sim entre as duas companhias. Os acionistas da incorporada deliberam sobre a formalização da operação, mas não se exige votação unânime. O sócio que tenha recusado a incorporação, caso não exerça o seu direito de retirada, sofrerá os efeitos da operação societária, passando a ser considerado acionista da incorporadora, de quem receberá novas ações, em substituição àquelas que possuía, cabendo-lhe efetuar as alterações necessárias em sua declaração de bens. (…)

Trocam-se, portanto, títulos por outros títulos. O fato de as novas ações serem eventualmente superiores ao valor contabilizado (ou valor de custo), não permite dizer que houve acréscimo patrimonial, visto que não há qualquer disponibilidade efetiva de renda. Esta somente se verificará quando o contribuinte efetuar a alienação da participação societária, recebendo, em contrapartida, o preço. O ganho de capital, portanto, depende da realização da renda.


Prejuízo próprio do sucessor e o débito do terceiro sucedido
O parcelamento batizado de Refis da Crise trouxe a previsão de que as empresas poderiam liquidar os valores dos seus débitos fiscais federais, especificamente os juros e as multas de mora e de ofício, com a utilização de prejuízo fiscal (parágrafo 7º, do artigo 1º da Lei 11.941/09).

Mas não foi expressamente normatizada a aplicação dessa previsão para a sucessão tributária (artigo 133, inciso I, do CTN), norteando se os débitos originariamente de terceiros poderiam ser liquidados com o prejuízo do contribuinte sucessor.

Impetrado um Mandado de Segurança buscando assegurar tal possibilidade, inicialmente houve sentença negando o direito, sendo pontuado que: (a) no original Refis havia previsão expressa tratando da situação dos terceiros (artigo 1º, parágrafo 7º da Lei 9.964/00), o que não foi repetido na Lei 11.941/09; e (b) por natureza o prejuízo deve ser compensado no âmbito da mesma entidade e não com terceiros (por exemplo, artigo 514 do RIR).

Porém, julgando a apelação, Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região concedeu o direito ao contribuinte ante a ausência de vedação; e também porque, com a sucessão, os débitos de terceiros passaram a ser débitos próprios da sucessora, e, dessa forma, “se o patrimônio transferido acarreta deveres ao sucessor, é justo que também origine direitos”; assim ementado:

Apelação Cível 5006642-04.2014.404.7003 (publicado em 29.05.2015)
TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ART. 1º, § 7º, DA LEI 11.941/2009. LIQUIDAÇÃO DE MULTAS E JUROS COM UTILIZAÇÃO DE PREJUÍZO FISCAL E BASE DE CÁLCULO NEGATIVA DA CSLL. MULTAS E JUROS ATRIBUÍDOS POR SUCESSÃO EMPRESARIAL. ORIGEM DOS VALORES. IRRELEVÂNCIA. ART. 12 DA LEI 12.865/13. APLICABILIDADE.

1. Não há fundamentos para restringir o alcance da previsão contida no art. 1, § 7º, da Lei 11.941/2009 apenas às hipóteses em que é idêntica a pessoa jurídica que originalmente constituiu os créditos contábeis e os débitos tributários, seja porque a legislação tributária deve ser interpretada de forma literal, seja porque as multas e juros adquiridos mediante sucessão empresarial se caracterizam como valores ‘próprios’ da sucessor ou, ainda, seja porque deve-se atentar aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

2. Hipótese em que a impetrante contraiu multas e juros em decorrência de sucessão tributária. Possibilidade que tais valores sejam liquidados com prejuízo fiscal e base negativa da CSLL escriturados em sua contabilidade.

3. O benefício fiscal em tela não se confunde com anistia, não exigindo, assim, a instituição por lei específica. Ademais, o art. 17 da Lei 12.865/2013 apenas estendeu o prazo de adesão ao parcelamento de que trata a Lei 11.941/2009, sendo tal norma plenamente válida e aplicável.

 

Fonte: Consultor Jurídico Conjur

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